16 de agosto de 2015

Recomeço

Passado mais de meio ano, encontrei a chave com que fechei este blogue e que me permitiu, agora, reabri-lo. Não vou perder tempo a congeminar por que ordem de razões andei afastado dessa chave, ou ela de mim, que isso de razões ignotas é matéria de director espiritual, de psicanalista ou de charlatão. E não sou nem me dou com nenhum deles.

O certo é que tive que recriar este blogue no Sapo onde escrevi algumas memórias da minha infância. Mas a coisa não colou de todo. Qualquer escrito carece de prefácio que o apresente e o melhor prefácio é sempre a colecção completa. A publicada, que exclui obviamente os drafts deixados na cave do blogue, as versões e revisões que desapareceram mutiladas pela constante metamorfose do exercício da escrita. Tenho a intenção de reaver e trazer para este local esses escritos, que agora se encontram, revistos e ordenados de forma diversa, num ficheiro word onde espero continuar e completar a minha autobiografia. 

O Tremontelo foi concebido para apresentar memórias do presente e não memórias do passado. Memórias do presente são registos de eventos actuais, impressões, vivências, num contexto de vida em que me debato todos os dias com a natureza, ou com o pouco que resta dela, no Tremontelo. Muitas vezes são reflexões, no sentido etimológico e óptico do termo. Quando é o eu que é reflectido, pode falar-se de especulação, de reflexo no espelho.

O eu não é o sujeito da acção da escrita, o autor, o agente que muita gente crê estar por detrás da escrita. É um erro muito comum, quase universal, essa ilusão. O eu só existe enquanto criado na e pela escrita. O eu é uma das grandes invenções do cérebro! Porém, quem age sobre o cérebro e o acciona é um organismo vivo, um indivíduo singular da espécie homo sapiens, que quase sempre se confunde com o eu, uma máquina virtual que é a sua réplica no cérebro. E para complicar as coisas, é o mundo material em que vive esse organismo que, por sua vez, o age. Daí o Tremontelo, o responsável último, o grande culpado de dar a este corpo cansado a tarefa de inventar esse eu e de lhe implantar memórias, de maneira mais ou mais orwelliana, mais ou menos estalinista.

Sive deus, sive natura. Não é uma coisa ou outra. É uma coisa e é outra, dois modos de existir. Fica assim, como apontamento. Lá voltaremos!

O tremontelo é uma designação antiga do tomilho selvagem. Tomilho genuíno do sítio, como genuínos são os seus gatos selvagens. O ideal seria tornar selvagem também este corpo. Se conseguir assassinar o eu, esse grande ilusionista.

Altura (Algarve).